O dia em que deixou de ser para você
Tanto quanto eu não percebi quando me apaixonei por você, não notei quando derramei a última gota de amor por você. Você me deixou tão bruscamente quanto me fez te amar, e desapareceu tão sutilmente quanto surgiu.
No meio da avenida, no dia seguinte a sua partida, eu estava re-ensinando meu corpo a correr. E a andar também. E me lembro do momento em que percebi que deveria aprender a respirar sem você de novo.
Foi uma guerra que eu lutei dia após dia. E eu garanto que, se pudesse, só por um segundo, não lutar, eu me renderia atirada no chão. Mas o seu adeus me obrigava a lutar todos os dias. E eu continuei a tarefa constante de ensinar a uma demente como não ser ridícula, como comer, como andar, como segurar o choro a cada vez que alguém falava o seu nome. Maldito nome.
Mas mesmo enquanto eu tentava deixar você, era para você que eu fazia.
Era pensando em você que eu tentava sobreviver ao caos que você tinha criado para mim. Era implorando amor que eu ficava à distância, era me humilhando e rasgando a minha alma para você que eu fazia cada coisa para me afastar. Lembrando a você que eu estava morrendo por sua causa e que, a cada golpe que me arrancava sangue, a culpa era sua e que você me devia desculpas. E muito mais que só desculpas.
Eu coloquei na sua conta, anotei e remoí, cada pequena ferida, cada noite chorando, cada grito desesperado. Anotei o dia no hospital, as noites de insônia e os pesadelos. Anotei os homens que eu beijei procurando você. Anotei as bebidas, os textos e cada dia de nojo de mim mesma. Eu não perdoei você. Por anos.
Foi não perdoando você que eu me mudei de cidade. Que eu frequentei festas e usei roupas que não usaria. Foi condenando você que eu tentei melhorar, que eu fiz novos amigos e, bom, também foi odiando o que você tinha deixado em mim que flertei com aqueles seis caras de uma vez só.
Eu não sabia como, de fato, esquecer você, e eu vou te contar porquê.
A questão é que eu não queria te esquecer. Eu queria que você aparecesse na minha frente e que eu pudesse despejar, atirar e arremessar em você cada uma das suas dívidas. Eu queria que você pagasse. Me explicasse por que diabos você tinha feito aquilo. Eu esperei você voltar em cada uma dessas coisas que fiz. Me preparei para a sua volta e criei um cenário perfeito para te receber e gritar todas as coisas que você tinha me feito. Eu queria justiça. Eu não podia esquecer o que você tinha feito com aquela garotinha. Eu não podia perdoar o que você tinha feito com a minha inocência. Eu precisava de uma explicação lenta e desenhada de por que você não tinha me amado.
Até que chegou o dia em que eu não cobrei mais explicações, naturalmente. E, a partir de então, te esquecer não era uma obrigação dura e que feria. Eu esqueci porque esqueci. Eu deixei a última gota de você pelo caminho sem nem sequer ver. Derramei todo o meu ódio enquanto era amada. Eu perdoei o que eu fiz comigo, porque não era da sua conta. Não é, nem nunca foi culpa minha, tive que repetir a mim mesma. Meu corpo foi lindo todos os dias, minha inteligência grande, minha alma digna, meu Deus forte. E eu entendi, naquela sessão de terapia, que não devia cobrar dívidas de fantasmas, porque eles já morreram.