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Para ler em dias ruins

Atualizado: 5 de abr. de 2022


Em uma noite fria, naqueles momentos em que a vida parece amarga, e que não existe esperança; ou então nos dias muito quentes, em que o sol se mistura com os problemas, e sua cabeça se parece com uma panela de pressão, você pode se virar na cama, respirar fundo, e começar a se imaginar diante do universo.


Se deite de barriga para cima, e imagine quantas outras pessoas deitadas têm na sua vizinhança. Comece a se ver do alto. E pense nas preocupações dessas pessoas. Em o quão suas mentes estão fechadas em suas próprias vidas. Como elas acham, mesmo, que seu jeito de ser é o único jeito de ser.


E existe mais. Existem os outros bairros. Pense nos acidentes de trânsito nas rodovias que estão tão distantes. Nas pessoas que estão nos ônibus. Nos aviões. As que estão se mudando de país. Aquela menina que acabou de conseguir o primeiro emprego. Aquele casal que acabou de dar o primeiro beijo, cheio de fagulhas e ansiedade. A cidade toda não tem unidade nenhuma, mas é enorme.


E agora pense em todas as outras cidades, e estados, e o país. Vai subindo e pensa nos bilhões de pessoas que habitam o mundo. Será que existe alguma situação que não tem absolutamente ninguém vivendo agora? Será que já existiu, na história da humanidade, algum momento em que nenhuma mulher estivesse sendo estuprada? Ou que ninguém estivesse pensando em sexo? Existe tanta gente perdida, mas tanta beleza também. Pense no monte de flores que acabaram de desabrochar em jardins que ninguém vai ver. Ou nos arco-íris que estão desenhados no céu nesse exato momento. Sabia que tem lugares, agora, que estão sob estrelas, e outros, sob um sol escaldante? Mesmo que o céu da sua casa esteja feio hoje, ele não é o único céu que existe.


A agora, você pode se lembrar que nem mesmo o planeta terra é o único. Nunca é o fim da esperança. Só aqui, no nosso sistema, tem mais sete outros planetas, girando em torno do mesmo sol, que também não é nada único. Quer dizer, o sol, e todas as coisas que existem, são excepcionalmente únicos e maravilhosamente lindos, mas são apenas um em bilhões. Existem incontáveis outras estrelas. Algumas nascendo, outras morrendo, e outras, existindo. Com planetas, satélites naturais e asteroides. Isso, se a gente contar só na nossa galáxia. Ela é apenas um círculo brilhante numa parte do universo. Cheio de outros e outros pontos brilhantes. Pense no quão parecem pequenos, esses círculozinhos no vácuo. E, vendo de cima do todo, o quão minúsculos são os sistemas solares. O quão insignificante é nosso sol. E nosso planeta, então, microscópico.


Agora pense no tamanho do seu problema diante da criação inteira.


Sim, criação. Porque eu acredito que, lá em cima das galáxias todas, tem o espírito maravilhoso, imenso e infinito, eterno e reluzente, o ápice de todas as coisas, o amor em forma de óleo essencial, que vê tudo com muita atenção. E que criou tudo com uma delicadeza indescritível. Que tem uma visão tão boa, que conseguiu desenhar, detalhe por detalhe, o meu DNA, mesmo tendo uma mão maior do que a galáxia inteira. Aliás, que fez pequenos sistemas solares ao redor do núcleo de cada átomo do meu corpo. E quem sou eu, para achar que a minha tristeza é o fim do mundo?


Existem brilhos tão maiores, êxtases tão mais extensos, pessoas tão diferentes, lugares tão sagrados, que eu não preciso ficar fechada no meu quarto escuro.


Agora pense na própria formatação do seu problema. Tem tantas convenções que precisaram ser firmadas anteriormente, para que você considerasse seu dia um dia ruim. Aliás, o que é a própria palavra ruim? Dentre todas as línguas do mundo, a sua define “ruim” de um jeito absolutamente particular. E por que seria ruim um dia de sol, se você estivesse no polo norte? E por que seria ruim cair neve no meio do seu horário de trabalho, se você estivesse num país tropical? Tudo é tão maravilhosamente relativo.


Pense também no quanto você considera problemáticas situações apenas para se encaixar socialmente. Afinal, qual o problema real de descobrir que você andou seis blocos com a saia enfiada na calcinha? Isso poderia ser apenas como se você tivesse esquecido de dobrar a manga de uma camisa.


E você pode relaxar diante da noção do quão fugazes são boa parte das coisas que nos embrulham o estômago. Mas, mesmo que seu motivo para se sentir mal não seja fugaz, você ainda pode se consolar com a infinitude de possibilidades diferentes que existem para você em um mundo tão grande. Porque, afinal, e se você vendesse seu computador agora mesmo, comprasse uma passagem para o Nepal, e passasse o resto da vida meditando nas montanhas? E se você vendesse tudo e vivesse fazendo mochilão pelo mundo, trabalhando pela hospedagem? E se você fosse trabalhar de vendedor numa loja de livros? Por que não?

Pense que o mundo está posto sob um monte de condições. A língua tem que ser a mesma num determinado local, as formas de representações das leis da física têm que estar acordadas para possibilitar que o seu avião não caia, no mínimo. Os preços. A quantidade de dinheiro. A necessidade de dinheiro. Você já parou para pensar que se alguém está passando fome, é por puríssima invenção humana? Essa pessoa não pode comer porque não tem como acessar um papel bonitinho.


Em poucas palavras. É preciso que empilhar dominós até a altura de um prédio de dez andares para que você tenha os problemas que tem. Mas você não percebe que são só dominós?

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