As orelhinhas do meu cacto
10 dez 2019
Milena Félix
Meu psicólogo sempre diz que o que há de errado é o jeito que eu vejo as coisas.
Estou sentada sentindo a brisa que tempera uma paisagem linda. É o entardecer e eu me deixo contemplar o sabor de um suco de amoras na sacada dessa casa.
Eu sempre me incomodo com alguma coisa e nesse cenário – nesse peculiar cenário que deveria compor o feliz para sempre – eu me incomodo com não me incomodar com nada.
Eu quero descrever o gosto de estar aqui para que eu me lembre e sinta saudades – como sinto agora. É um hábito romântico de só saber viver a saudade e não o momento. A este, eu passo rápido, com um comportamento sem jeito de quem está fazendo algo que não sabe fazer.
Não seja tão bom comigo caro leitor, a vida nem sempre foi tão difícil. Uma vida de bons e maus momentos em que eu atropelei os bons incomodada, a procurar algo mau para lamentar. Para me deixar rasgar por dentro.
Como um alcoólatra procura álcool.
Eu te digo, meu caro, que sempre gostei de histórias tristes e sempre achei o despedaçar da alma muito romântico. Às vezes, até sensual.
Mas eu me exercito e olho para as novas orelhinhas que meu cacto está ganhando e não penso: só contemplo as coisas boas que tenho.
Me soa meio mal educado escrever sobre coisas boas. Me desculpe.
Espero que você, leitor, compreenda minha angústia fútil. A angústia de não estar em guerra nenhuma. Me sinto imoral e inútil. Porque a vida é tão boa que não preciso lutar por nada: apenas degusto as coisas boas que tenho.
E fico criando problemas o tempo todo. Acho que estou distante de Deus ou da minha mãe. Me sinto triste e doente e digo para mim mesma que esse é o problema da vez. Mas é claro que não posso mentir por muito tempo. Eu não teria nenhum problema suficientemente exterior para me levar para o hospital. É uma falta. A falta de um motivo ruim para me desanimar a levantar da cama pela manhã.
A vida é linda agora e eu, continuamente, me recuso a lidar com isso.