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traumas de beleza

 

08 abr 2020

Milena Félix

O Sinestesia entrevistou pessoas que compartilharam suas histórias com a beleza. Acompanhe conosco relatos reais sobre o que sentimos sobre a pressão estética. Pegue um café, abra o coração e sinta os sentimentos aqui compartilhados. Vamos lá!

"Minha infância foi cheia de mudanças. Mudança de casa, mudança de amigos, mudança de cidade. Meu pai tinha um emprego que fazia a gente mudar muito. Eu era uma menina de cabelo armado e tênis preto all star estilo bota de cadarços. Era vez de mudar de escola. Na nova cidade com uma casa ainda cheia de caixas. No meu primeiro dia, ninguém me percebeu. Ou percebeu e fingiu que não. Eu me sentia deslocada, meus tênis-bota se distinguia das sapatilhas e sandálias das meninas de cabelo liso e meu cabelo todo ondulado e armado. Odiava o recreio. Era a hora que mais evidenciava minha solidão e eu ficava num canto lendo meus livros emprestados na biblioteca da cidade. Um dia umas quatro meninas de cabelos lisos e sapatilhas me chamaram para conversar no recreio e dividir os lanches: enroladinho de salsicha, guaraná geladinho. Eu conversava com elas sobre o que eu entendia, livros e bandas punk. A gente não se deu, porque elas eram muito diferentes de mim. Mais tarde fiz amigos, alguns verdadeiros. Chorei no dia que alisei os cabelos. Finalmente eu poderia ser igual a todas. Mas eu queria? Talvez no fundo quisesse de volta os cabelos ondulados, mas o formol mata nosso cabelo de um jeito que ele não volta, só cortando para crescer outro no lugar. Também comecei a usar roupas curtas e deixei os cabelos lisos crescerem para pintar de loiro. Mais velha, descobri que poderia ser popular beijando os meninos, todo dia ficava depois da aula para perder logo o bv. Lembrava ainda da época dos meus cabelos e tênis-bota e era uma época que eu não sabia, mas me chamavam de lésbica porque não me arrumava e minhas roupas eram largas e meu cabelo bagunçado. Mesmo estando 'bonita' como todos falavam e nas festas muitos puxando meu braço pedindo 'nossa linda, me dá um beijo', eu me sentia feia por dentro. Me achava uma pessoa ruim porque não tinha amigos de verdade. Mas assim os anos passaram. Até hoje me pergunto o que teria acontecido se todos tivessem gostado de mim mesmo com o cabelo e os tênis-bota. Ou, até, se eu mesma tivesse gostado".

- L. R.

“Hoje é uma coisa que não me incomoda mais, mas já me incomodou muito: minha testa. E eu já passei por algumas coisas ruins em relação a isso. Quando eu estava no sexto ano, eu levei suspensão na escola porque soquei um menino que me xingava. O menino me colocou apelidos muito, muito horríveis e, um dia, a sala de aula toda estava em silêncio. Ele me chamou por um daqueles apelidos, o professor escutou e não fez nada. Eu fiquei com tanta raiva que, de repente, me levantei e dei um murro na cara dele. Nós dois fomos suspensos na mesma hora. Hoje a testa não me incomoda mais, mas não gosto de me lembrar dos apelidos.”

- A. C.

“Eu tinha vivido meio isolada da sociedade durante toda a infância. Estudava numa escola pequena na rua debaixo da minha casa, que era quase zona rural. Não tinha amigas e nunca saía de casa. Quando fiz 11 anos, me mudei de escola e fui estudar no centro. Lá as meninas eram ainda mais más que eu estava acostumada, e eu achava as  meninas antigas muito más. Parecia realmente um desfile de moda na hora do recreio: tiara de flores, coletes, cintos, penteados e tênis estilosos por cima do uniforme. Eu nem ousava tentar. Não sabia como me vestir, não tinha roupas de adolescente. Me sentia terrivelmente feia. Até que um dia não pude lidar com a roupa que eu tinha para usar: uma camiseta de uniforme dois números acima do meu, uma calça de jeans largo, antigo e desbotado, e um par de tênis de academia que minha mãe tinha me dado para usar. Era feio demais. Eu tive que tentar melhorar aquilo. Então peguei a coisa mais parecida com um cinto que encontrei na minha casa: um lenço chinês de família, que enrolei e amarrei na cintura, fazendo a camiseta modelar melhor o meu corpo reto. Fui pra escola humilhada, a minha mãe tinha me pedido para tirar o lenço porque eu estava feia demais. Mas eu não queria dar o braço a torcer e aceitar meu look completamente pobre e fora do que esperavam eu usar. Enfrentei a entrada da escola, não tirei o lenço. Na hora do recreio, uma menina que era amiga da menina mais bonita e popular, foi até mim. Eu estranhei, mas fiquei feliz. Ela sorriu e disse ‘Oi, eu e minha amiga estávamos pensando, se você não quer uma ajudinha pra se vestir melhor?’”.

- C. M. 

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