Beleza Proibida
3 abr 2020
Milena Félix
Muitas coisas na minha vida tinham sido decididas por outras pessoas.
Eu estava sentada na sala, em uma cadeira de frente à TV, cansada. A menina que ninguém via que existia por baixo da minha pele estava muito cansada. Ela queria tirar aquele peso das costas.
Alguém além de mim tinha decidido sobre minha pele, meu cabelo, minha altura, minha boca, sobre a minha impressão de mim mesma e sobre a impressão das outras pessoas sobre a minha aparência. Tinham decidido que minha boca e o meu nariz grandes não eram bonitos. Tinham decidido que meu cabelo cacheado era inadequado e que eu, com certeza, deveria alisá-lo. Mas mesmo se eu o alisasse, ele nunca seria bonito o suficiente. Tinham decidido que meu corpo largo não era bom para ser respeitado: ele tinha curvas demais.
As decisões da minha vida tinham sido tomadas muito antes de eu nascer, e o que estava em jogo era algo muito além de eu achar ou não meu corpo bonito: a questão era que o corpo não era meu. Eu não tinha o direito de ter o corpo que eu tinha, e tudo o que eu queria dizer é que eu não podia fazer nada sobre aquilo. Eu tinha que me odiar, tinha que ser odiada, zoada e nunca levada a sério. E, no final das contas, se eu ainda tentasse vestir meu corpo com orgulho, eu seria vista como uma afronta e seria ainda mais detestada.
De frente à TV, meu corpo cansado se emocionou quando viu, do outro lado da tela, uma mulher como eu, que tinha tomado suas próprias decisões. Eu decidi pegar na mão da criança machucada em quem colocaram todos aqueles pesos nas costas e a levantar do chão. Decidi mostrar a mim mesma que meu corpo era bonito e que eu não precisava me odiar. Eu sabia, no fundo eu sempre soube. Eu só precisava de coragem para pegar quem eu era de volta. E naquele dia eu me levantei da cadeira e só o que havia em mim era coragem.
Muitas coisas foram embora enquanto eu cortava cada mecha lisa que ainda restava no meu cabelo: as roupas largas que eu usava para evitar que olhassem para as minhas curvas; o sentimento de que ninguém nunca ia realmente gostar de mim; os relacionamentos abusivos que as pessoas achavam que tinham o direito de ter com o meu corpo que valia menos; a imagem de alguém que nunca ia ser levada a sério; os comentários de que meu cabelo ia dar trabalho demais.
Eu não queria nem aguentava mais. Eu aguentaria qualquer outra coisa, enfrentaria toda a resistência e todos os outros comentários, contanto que eu não me odiasse mais. Eu tomei meu corpo. E foi difícil segurar nos braços um corpo, um nariz, um cabelo e uma pele tão machucados. Mas eram meus. E eu estava preparada para enfrentar a cura, afinal, tudo para mim tinha que ser uma luta. Quem mais poderia me devolver as asas para que eu pudesse voar, além de mim mesma?