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Certo e Errado

 

 

(Dentro de um ônibus às 7h da manhã de uma segunda-feira)

- Flávio, é errado usar meias diferentes em cada pé?

- Não existe certo e errado, Sheila.

- É claro que existe algo que é certo e algo que é errado. 

- Ah é?

- Ué, existe um grupo de coisas que são absolutamente certas e um grupo de coisas que são absolutamente erradas. E algumas coisas no meio é claro.

- Isso depende.

- Depende do que?

- Usar meias de cores diferentes não é ilegal, e não é imoral, só é diferente, só incomoda. Se incomodar for o que define certo e errado, então é errado ser negro, por exemplo.

- Negros não incomodam, que horror…

- Então porque existe racismo?

- …

- Racismo é errado Sheila?

- Se não é!

- Mas para os nazistas não era.

- Mas tem coisa que não entra em questão!

- Racismo machuca seres humanos. Se nós levarmos em conta o que machuca os humanos como critério, o que machucar vai ser errado e o que curar vai ser certo.

- Mas a gente não pode considerar outra coisa no mundo…

- E por que a gente acha certo ser tão competitivo então?

- Você está com caraminholas na cabeça hoje, Flávio. Larga esse jornal e vai descansar a cabeça. Afinal, as meias estão feias ou não?

- Ah, então o critério é beleza? Se for certo só o que é bonito então, o adoecimento das top models é justificável. 

- Quem coloca esses critérios que você tá falando aí, ein, Flávio?

- Sheila, não existe certo e errado. Existe um monte de medidas diferentes, impostas por pessoas diferentes, que a gente segue. Existe um parâmetro para cada coisa. Muitas vezes a gente considera os direitos humanos pra decidir o que é certo ou errado, levando em conta aquilo que preserva ou oprime as pessoas. Outras vezes, a gente usa os valores do sistema econômico para decidir se uma ação é boa ou ruim. Em geral o que vale é o que é bom ou ruim, mas para colocar um peso de dever a gente usa os termos certo e errado.

- Estou entendendo…

- Em outros casos, Sheila, a gente acha certo ou errado o que os nossos pais ensinam pra gente, mas, quando vai crescendo, vê que aquilo tinha muito do que só eles acreditavam, e não vale pra gente. Na verdade a gente só não consegue ver, mas isso vale pra tudo. A religião também tem grande parte no sentimento de culpa que aponta o que é errado e na sensação de bondade diante do que é certo. Mas nem sempre esse certo e errado da religião combina com, por exemplo, o que o nosso grupo de amigos toma como valores. E, no final, a gente acaba tendo que selecionar nossos próprios certos e errados e aceitando que boa parte do que conseguimos fazer vai ser julgada como erro. A questão é que raramente nós seguimos a nossa própria opinião sobre o que é certo e errado pra nós mesmos.

- Então... será que tudo bem eu usar essa meia no trabalho?

- Ai meu Deus, não sei Sheila, acabei de perceber que peguei o ônibus errado.

03 mar 2020

Milena Félix

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