Coisas sobre as quais estou errada
- Bom dia, querida! Como você está hoje?
Eu dou um sorriso largo e balanço a cabeça em negativa em direção ao café enorme na minha mão. Estar cansado a esta altura do ano é um consenso e uma piada, porque todo mundo está.
Eu não preciso me socializar ou coisa assim nessa manhã, porque minhas olheiras grandes, pele oleosa, jeans largo e o café expresso triplo garantem minha inclusão no espaço. Me dirijo logo para o meu lugar de sempre, ligo o computador e começo a editar aquela página que comecei na noite passada. Preciso entregá-la logo.
Ficamos até a hora do almoço trabalhando sem parar e sem pensar – apesar de estarmos pensando em inúmeras coisas ao mesmo tempo, o que é estressante. Tenho a sensação conhecida de ter produzido ontem até de madrugada e dormir algumas horas apenas e, mesmo assim, de manhã, me vestir e vir trabalhar novamente. É como uma dor de cabeça que não tem tempo para acontecer.
Já se passaram 40 minutos da hora do almoço e estou morta de fome, então eu grito (baixo, como se grita nesses lugares):
- Clara! Vamos comer??
Andamos rápido, sem perder o ritmo em que estávamos anteriormente, e conversamos enquanto continuamos resolvendo coisas no celular. E é aí que a parte mais pessoal do meu dia começa com essas conversas.
- Nossa, Angela, eu não aguento mais a minha mãe me ligando a cada 5 min. Ela passou 3 semanas sem falar comigo, e agora que precisa que eu resolva os problemas dela, não para de ligar! Já disse que estou almoçando.
Nós ficamos horas falando sem parar de coisas que garotas falam, e é muito divertido. Não te digo que falamos sobre coisas virtuosas nem morais, nem posso garantir que fomos discretas ao rir das histórias do meu ex namorado. Mas posso te dizer que, acima de qualquer coisa, Clara falou de como ela estava cansada. E ela realmente estava.
- Tudo o que eu quero é que as férias cheguem logo.
Frase nenhuma pode me confundir mais. O que diabos poderia acontecer de bom nas férias de Clara para que ela as quisesse? Eu fico incomodada. É a melhor parte do meu ano estar ali. O lugar mais seguro, com certeza.
Eu respondo alguma coisa do tipo “odeio férias” e ganho a maior bronca de todas. Clara diz que nós precisamos nos tratar como seres humanos e dar pausas para descansar. Que trabalhamos demais e que o sistema capitalista afeta nosso modo de vida – como está escrito em algum livro de Weber.
Sou uma pessoa muito influenciável e realmente acredito nela. Eu preciso descansar, ora, preciso de um tempo para deixar a dor de cabeça existir.
Sempre odiei férias, e sempre repeti para mim mesma que precisava aprender a gostar. Até copiei de uma revista um texto sobre a “sabedoria das férias”, depois de a minha mãe me dizer que eu trabalhava demais e ficar furiosa por eu detestar o descanso.
Bom, a questão é que agora estou de férias, e faz uma semana. Eu sempre digo para mim mesma que pode ser bom desta vez, mas a experiência sempre me faz lembrar de uma frase que li em um livro uma vez. Era alguma coisa assim: quanto mais tempo vivo mais percebo que nunca me engano sobre coisa alguma e que toda vez em que aceitei opiniões humildemente só serviram para me fazer perder tempo. Acho que perdi o livro.
30 dez 2019
Milena Félix