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Descrever para você

 

Eu estava no quarto meio escuro, olhando pela pequena fresta de luz que saía pela janela de vidro, deitada, sem energia. Ideias brotavam das palavras para mim. Era osmose de significados.

Faz um ano que olho para a tela do computador parada. Não consigo exteriorizar uma palavra com sentido sequer. Qualquer coisa que se vá querer ler um minuto depois. Nunca consegui escrever sobre você. 

Porque com você não há silêncio perturbador que eu precise despejar em uma folha de papel. Ou em várias. Nem uma linha, nem uma palavra, nem um som deixou de ser dito, sussurrado ou atirado a você. Eu te disse tudo o que era capaz de pensar em dizer. Porque aprendi que o silêncio rasga e destrói. E por algum motivo, desde que te conheci, nunca destruí o que você era pra mim. Mesmo quando achava que nada valia a pena, eu sentia que você valia a pena. 

Mas meu amor, esse é um momento histórico. O momento em que meus sentimentos ditos à você saltitam tanto que não sou mais capaz de dizer. Se eu o fosse fazer, seriam sons além das palavras, além do tempo, intermináveis. Declarações onipresentes e constantes envolvendo sua existência. Eu te amo no extremo em que sou capaz de amar. Ou, pelo menos, que já descobri que sou.

Vou descrever para você.

Me lembro de quando era criança e terminava de ler um livro muito bom. Quando chegava no final, não queria mais parar antes de saber do final da história, e ficava até muito tarde lendo sem parar. E quando finalmente terminava e me deitava para dormir, eu sempre agradecia a Deus, em minhas orações infantis, pela maravilha de existirem palavras e histórias, e pela história que eu tinha acabado de ler. Eu amava as palavras. Eu amo poder escrevê-las. É montar uma obra de arte. Você escolhe as palavras certas para o seu sentimento. Como cores. Como movimentos de dança. E nessa noite quero mostrar a você com clareza que tipo de espetáculo você provoca dentro do meu coração. 

 

Eu sabia quem era, sempre soube. Sempre soube que tipo de pessoa, exatamente, você seria. Sabia com perfeição pelo que procurar. O cuidado, o peito capaz de me envolver até a calma chegar. Lábios capazes de pronunciar palavras doces e beijos apressados com a mesma energia. Olhos que fossem capazes de olhar para os meus bem fundo, e ficar. Uma alma que buscasse as mesmas coisas que eu. Que se interessasse por abraços na sacada, memórias e palavras escritas numa folha de papel. Uma pessoa que estivesse interessada em ouvir e contar. E que, ao ouvir, compreendesse. E que, ao compreender, amasse. 

Era exigência demais, um dia constatei. Nunca existiria tal tipo de pessoa e, se existisse, não para mim. O mundo era injusto, opressor e silenciador. 

 

Eu estava no quarto escuro, olhando pela pequena fresta de luz que saía pela janela de vidro, quase morta, sem energia. Eu olhava pela janela da sacada e queria me jogar. Não conseguia escrever palavras que não parecessem motivadas por alucinógenos. Caminhava sem andar. Significados saltavam de mim cada vez mais para dentro e me sufocavam numa queda livre. A brecha de luz explodiu. Você apareceu nela.

No começo, era a luz. Você apareceu como luz na minha vida. Mas ainda na escuridão embaçada. Você foi abrindo espaço para a energia. Com ela, abri minha vida para o sol, que irradiou tudo em mim. Tudo virou luz e eu me derramei de você. Como numa fusão da minha alma em direção à sua. 

Meu amor, eu amei você desde que te conheci, sem saber. Sempre soube o que procurar e sabia quando tinha encontrado. Meu coração se converteu em esperança e as pedras foram se tornando carne. A questão é que no fundo eu sabia que nada iria dar errado. A pequena janela era um céu todo iluminado. 

As feridas foram se curando e eu percebendo que tudo o que jamais tinha tido coragem de verbalizar querer, estava finalmente do meu lado, inacreditavelmente. 

Meu querido, a cada pedacinho de mofo que saía do meu coração, uma tintura nova do seu amor ia preenchendo as paredes da minha casa. Eu nunca, nem por um momento da minha vida, tinha sido tão amada.

A vida inteira eu estive esperando por você e, acredite, eu não poderia te amar mais. Nos imagino numa dança lenta e eterna juntos. Minha alma se sente em paz e sabe que nada vai dar errado – o seu cheiro diz isso pra ela. A maneira como você me olha quando se admira comigo. Quando está cheio de bondade. Quando está cheio de desejo. Quando está de olhinhos fechadinhos ao sorrir de emoção. Eu não sei, as palavras ainda não conseguem traduzir direito. É como quando digo de um calor que surda. O seu abraço me estonteia e alegra. É como estar num jardim cheiroso numa manhã calma e confortável. O seu beijo me faz perder o fôlego com todos os meus sentidos, em câmera lenta. Sua voz é como um orgasmo bem lento e duradouro. Estar com você é uma alegria infinita. Superar dificuldades com você é como ir aprendendo a ler no primário: a gente nem pensa em desistir. E eu não penso. Nunca existiu momento em que eu estivesse mais calma e determinada como agora. Vamos ficar juntos meu amor. Transcender o tempo e espalhar o nosso amor para tudo o que se conhece por “sempre”. 

3 jan 2020

Milena Félix

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