Escrever
Sinto que poderia fazer isso por décadas sem parar. Um texto atrás do outro. A cada um, um novo golpe de espada nesse peito novo e nessa cabeça velha. Vou definhando a cada palavra dita. Morri com todas as palavras que jamais disse. Disso me arrependo. E continuo aqui fingindo que sou boa e sem conseguir parar. É engraçado que nunca consigo de fato fazer. Uma agonia eterna, uma muda de cidreira que plantei para fazer chá mas que nunca colhi nenhuma folhinha sequer. Mas nunca a deixei de regar. Uma coisa que procrastino, não porque sei que vai ser prazeroso consumá-lo, nem porque não o desejo. Procrastino porque o temo. Temo algo que não consigo eliminar. Temo a seriedade, a imposição, a obrigação. O julgamento.
Ao passo que procrastino nunca paro de fazer. Arranho o papel mas nunca o amasso. Estou com as mãos postas sobre seu corpo estirado. Será que devo?
Quando é que devo começar?
Não ouso dizer que já comecei. O flerte ainda é mais prazeroso.
30 out 2019
Milena Félix