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Sete meses

30 jun 2020

Milena Félix

 

 

 

 

 

 

É estranho perceber como as nossas noções de superficialidade e profundidade são relativas. Em geral, coisas do mundo, coisas do trabalho, as relações cotidianas com quem nós vemos todo dia, são coisas que consideramos parte do mundo de fora: superficial. Tanto que quando a gente quer se conectar com o “verdadeiro eu” interior, a gente vai pra um lugar afastado, para tudo, coloca música de meditação e fecha bem os olhos. E aí surge uma ideia de que o “eu” e o “mundo”, o interior e o exterior, são separados, e que dá pra gente manter assim.

 

 

 

Coisa que eu percebi quando despontou a pandemia, é o quanto meu eu interior tinha relação com tudo o que estava lá fora. Percebi o verdadeiro porquê de eu tomar café em tal padaria, o porquê de eu continuar falando toda manhã com aquela tal amiga, o porquê de fazer o que faço. Mas não foi qualquer porquê. Eu percebi o quanto daquilo que eu sou, lá no fundo, encontra funcionalidade nas atitudes de fora. Ou encontra, pelo menos, um estado em que é possível só deixar certas coisas para lá.

O que a pandemia trouxe foi o completo silêncio. Silêncio do luto, silêncio do medo, silêncio das nossas próprias casas. Eu me lembro do dia em que as crianças pararam de gritar na hora do recreio na escola que fica do outro lado da esquina. A vida passou a ser escondida, para poder ser poupada. 

Mas o que realmente ressoou foi o barulho. O barulho que essas coisas escondidas em mim começaram a fazer, quando ficaram sem rotina alguma para se esconder. A casa vazia fez meu peito vazio dar eco. As inspirações para escrita desapareceram. Nós passamos a acordar de manhã e nos perguntar o que diabos fazer do dia de hoje. 

E mais que isso. É como ir para um lugar afastado para meditar, fechar os olhos e nunca mais conseguir abrir por sete meses: estamos presos na nossa individualidade. Aliás, esse termo, é claro, não existe mais. Porque constatamos o quanto o exterior também faz parte do mundo interno. Cada conversa aleatória que escutamos no ônibus faz parte do que nos constitui como pessoas. 

Mas o fato é que estamos presos. Num mundo angustiado e silencioso, que não mais possui ferramentas para entreter o que não gostamos em nós. Estamos presos dentro dos olhos fechados em estado meditativo. Qual é o nome da sensação que isso te causa?

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