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Alguns dias sem escrita

26 jul 2020

Milena Félix

 

Eu sinto falta da verdadeira escrita. Do que antes eu costumava, de maneira petulante, chamar de literatura. É tão pesado o dia-a-dia sem peso nenhum. Sem rotina nenhuma. Sem distrações para tapar meus vazios. 

Sinto que nós trocamos a rejeição social pela rejeição na mídia, assim como trocamos qualquer interação pela interação social. Eu reajo da mesma forma: quero privar meu mundo. Quero dizer pra mim mesma que sou realmente especial, a questão é que só sou diferente. Mas soa sempre artificial.

É muito cansativo, você não entende. Cada batida no teclado tem o mesmo peso agora do que as coisas ruins tinham quando a gente ainda podia sair na rua. É que, na verdade, não existe motivo nenhum que justifique o peso: ele já estava nos meus ombros desde sempre. 

 

 

A verdadeira palavra fugiu das minhas mãos pra tão longe, que eu não consigo ir buscar. Me sinto envergonhada por não saber, por não estar pronta. Me sinto acusada, mas não é verdade. A verdade é que eu encontrei, aqui fora, gatilhos que despertem minhas acusações internas. Acordo cedo demais quando posso dormir até mais tarde. Fico lutando contra voltar pra cama. É como bater numa pedra dura, sabendo que não vai furar. É como já saber que o esforço vai ser inútil, mas decidir tentar da mesma forma. É como eu escrevo esse texto. É como as palavras saem das minhas mãos, sem nunca ter passado pela cabeça. 

Defeitos saltam dos meus olhos. Defeitos nos outros, que disfarçam o quanto eu odeio os meus próprios. A culpa é o que nos distancia. “Eu sinto muito, querido, nós não podemos mais viver assim. Eu sei que talvez você não me odeie, mas o jeito como você fala às vezes quebra meu silêncio interior. O som que ressoa, e que eu quero esconder, é o meu próprio ódio pelas coisas que você não gosta muito.” Esse som eu não posso suportar.

Ela destila veneno em mim todas as vezes em que fala. Eu acho que esse é o problema. Mas o que realmente me envenena é o que eu destilo sobre ela, para revidar. 

Mas é mentira, as palavras não fugiram para longe. São elas que saltam de mim e me dão vida. Permaneço morta enquanto as guardo aqui dentro, fingindo e pensando que não as conheço mais. Elas brotam e me fazem lembrar de quem eu sou, e que, no fim das contas, eu realmente sou alguma coisa. 

Eu me preocupo. Ah, Deus, eu me preocupo muito.

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