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Felicidade flutuante

09 ago 2020

Milena Félix | Reflexões | Leia em 3 min

 

 

 

 

 

 

 

Quando eu era criança eu ficava perto da minha mãe arrumando a cama e via as pequenas pluminhas pulando dos tecidos e flutuando no ar. Eu queria saber que partículas mágicas eram aquelas e eu tentava capturá-las com meus dedinhos pequenos. Eu não conseguia. Por mais que mirasse bem no pequeno fiapo, logo em seguida eu o via flutuando em algum outro lugar longe da minha mão. 

Em geral eu não desistia e continuava brincando de tentar pegar os fiapinhos. Eu queria ajuntá-los. Tê-los, depois jogaria fora. 

Um dia perguntei minha mãe, depois de tantas tentativas frustradas, se aqueles pontinhos brancos que se levantavam no ar ao arrumar as cobertas eram bichinhos. Afinal, eles pareciam ter vida própria. Eles se afastavam toda vez que eu me aproximava deles. Talvez estivessem fugindo de mim. 

Mas minha mãe confirmou minhas suspeitas e disse que eles não eram bichinhos. Eram pluminhas. Como as que ficam grudadas na roupa preta da gente, quando se misturam com brancas na hora de lavar.

- Mas mãe, por que eles fogem de mim quando eu vou pegar?

- É porque as plumas são muito leves e sua mão faz elas voarem para mais longe ainda quando chega perto.

Eu não percebi que, neste momento, minha mãe estava me explicando tudo o que eu precisava saber sobre a felicidade numa simples frase. Os sentimentos bons são leves demais para resistir ao meu peito pesado chegando perto deles. A felicidade dança por aí numa brisa suave. É mais simples que eu penso. Ela não é viva nem foge. Não se esconde em lugares difíceis de encontrar. Eu não tenho que escalar montanhas ou ir em paisagens paradisíacas para encontrá-la. Ela está por toda parte. Livre no ar, dançando alegre. Se levanta sob efeito de qualquer movimento. Se espalha pelo vento. É pequena, simples e fácil. 

Mas eu não sou pequena, nem simples, nem fácil. Nenhum de nós é. Minha mão é pesada de tanto buscar coisas que eu não preciso neste mundo. Eu gosto de procurar a felicidade nesses lugares difíceis, como se não soubesse que ela já está bem aqui. Pairada no ar sobre a minha cama quando eu me levanto de manhã. Eu finjo que ela não está, para que eu possa fugir do trabalho de me tornar leve. 

Aliás, em geral, eu quero ter a felicidade para o simples fato de a ter. Ajuntar argumentos de que eu sou e fui feliz um dia. Postar os argumentos no Instagram e depois jogá-los fora.

Eu nunca entendi, nem quando era criança nem agora, que eu devo me tornar leve como as plumas. Ter a capacidade de me juntar a ela. Nunca mais ser agarrada e puxada para baixo. Eu nunca entendi que a única maneira de ter a felicidade flutuante, é me juntando a ela.

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* Audiodescrição narrada por Milena félix

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